o que é som?

lagartixa

A wikipédia afirma categoricamente: “Som é a propagação de uma frente de compressão mecânica ou onda mecânica; é uma onda longitudinal, que se propaga de forma circuncêntrica, apenas em meios materiais (que têm massa e elasticidade), como os sólidos, líquidos ou gasosos.” Embora seja uma definição correta, ela reduz drasticamente o fenômeno sonoro, cuja complexidade não permite que seja analisado apenas do ponto de vista físico. O som é, sim, isto. Mas não apenas.

Há um trecho conhecido do romance Contraponto, de Aldous Huxley, que descreve de maneira precisa todo o percurso do som, desde o momento em que as ondas são geradas mecanicamente por um emissor até a sua metamorfose em informação estética depois de atravessar salas e passar por todo o sistema auditivo do receptor:

“O sopro de Pongileoni e a esfregação dos violinistas anônimos tinham sacudido o ar do grande hall, tinham posto em vibração os vidros das janelas que davam para ele; e estas por sua vez tinham sacudido o ar do apartamento de Lorde Edward, do lado mais afastado. O ar posto em vibração havia sacudido a membrana tympani de Lorde Edward; a cadeia de ossos – marterlo, bigorna, estribo – tinha sido posta em movimento e fora agitar a membrana da janela oval, criando uma tempestade infinitesimal no fluido do labirinto. Os filamentos terminais do nervo auditivo estremeceram como algas num mar bravo; um grande número de milagres obscuros se efetuaram em seu cérebro, e Lorde Edward murmurou extaticamente: – Bach!” (HUXLEY, 1971)

 

Para que haja som é preciso, antes de qualquer coisa, que o ar vibre, seja sacudido (o ar ou outro meio elástico, como janelas de vidro, paredes, água, o estribo, o fluido do labirinto…). É preciso que esta vibração seja transmitida até chegar aos ouvidos de alguém. E, enfim, é preciso que, dentro do sistema auditivo, ela passe por inúmeras etapas e transformações até que seja convertida (de maneira ainda não completamente compreendida pela psicoacústica) num conjunto detalhado de informações sobre as ondas que ali chegaram.

Se não há vibração, não há som. Se há vibração, mas esta não é transformada em sensação auditiva – por exemplo, se ela acontece numa frequência mais baixa ou mais alta do que o ouvido pode perceber – também não há som. Não é possível, portanto, definir o que é o som apenas pela sua existência física. Devemos considerar que ele também possui existência perceptiva. E aquilo que é percebido nem sempre tem correspondência exata com o fenômeno objetivo. Por exemplo: frequência é uma propriedade objetiva do som e tem um correspondente perceptivo, o pitch, que costumamos traduzir como altura. A frequência pode ser medida num osciloscópio e definida com exatidão. A altura não.  A mudança de intensidade do som, por exemplo, afeta a percepção de altura, de forma que uma mesma frequência ouvida com intensidades diferentes pode ser percebida com alturas diferentes. O mesmo acontece com a relação amplitude (objetiva) e intensidade (percebida). E mais: as vibrações sonoras não são percebidas apenas pelo ouvido, mas também pelo tato. Assim, nossos mecanismos de percepção e a sua interação com os fenômenos físicos são uma parte complexa e essencial do estudo do próprio som.

Há, ainda, uma série de fatores culturais e sociais que influenciam na forma de se perceber sons. A intensidade do ruído de um tiro não é percebida da mesma maneira por um morador de uma metrópole barulhenta e por um inuíte que vive no silêncio do Alasca. O tipo de atenção que um cego dá para os sons à sua volta é diferente do de alguém que enxerga.

E, por fim, existem inúmeras questões filosóficas que atravessam o universo sonoro. Um dos filósofos mais reconhecidos que tratam sistematicamente de sons em seus escritos é Don Ihde.

O som, portanto, é um fenômeno complexo que pode ser estudado sob a perspectiva de diversas disciplinas: acústica, psicoacústica, ciências cognitivas, ciências humanas, filosofia. Defini-lo, analisá-lo, esgotá-lo, não é tarefa fácil. Nas próximas postagens, vamos adentrar em alguns dos tópicos que foram mencionados aqui.

REFERÊNCIAS

HUXLEY, Aldous. Contraponto. São Paulo: Abril Cultural, 1971. 445 p. (Os imortais da literatura universal; 25)

PIRES, ISABEL. Esses sons que nos seduzem. INTERACT. 2016. Disponível em: < http://interact.com.pt/22/esses-sons-que-nos-seduzem/ > Acessado em: 9 mar 2019.

Deixe um comentário